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Ouça Todos os Surdos

29/11/2017 redação do Enem

Em meus anos de escola e faculdade, apresentei todos os graus da surdez: leve, moderada, severa e profunda. Por ter deficiência auditiva bilateral progressiva, comecei o colégio ouvindo muito bem e, até me formar em ciências sociais na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), perdi por completo a capacidade de ouvir. As dificuldades me acompanharam do início ao fim do meu processo de aprendizagem. A sala de aula é um dos espaços mais traumáticos para quem não ouve, ou ouve mal. Eu procurava os lábios dos professores para lê-los, mas eles usualmente se posicionavam de costas para mim, escrevendo no quadro. Todos falavam ao mesmo tempo. O ruído de fundo me impedia de entender as conversas. Os vídeos e filmes exibidos não tinham legendas; logo, eram praticamente incompreensíveis para mim. Na sala, eu precisava me sentar num lugar estratégico – sempre na fileira grudada na parede lateral, para que meu ouvido “bom” captasse o som – e passava o tempo todo tensa, no aguardo do momentos em que algum colega me chamaria e eu não o ouviria.

O tema da redação do Enem – Desafio para a formação educacional de surdos no Brasil – fez o país inteiro perguntar-se: quem são os surdos? Qual são suas dificuldades? Do que eles precisam? A surdez é a deficiência invisível, mas também é a mais heterogênea de todas. Existem os surdos oralizados, como eu. Ou seja, surdos que falam, leem lábios e eventualmente usam aparelho auditivo e implante coclear para voltar ao mundo dos sons. Esses não precisam da língua de sinais. Há também os surdos sinalizados, que se comunicam exclusivamente por Libras (a língua brasileira de sinais). E ainda existem os surdos bilíngues, que usam tanto a fala quanto os sinais.

Os surdos oralizados, por exemplo, necessitam de legendas, aro magnético (tecnologia de amplificação do som compatível com aparelhos auditivos) e salas de aula com tratamento acústico. Já os que se apoiam na Libras precisam de intérpretes.

São milhões de alunos no país com algum grau de surdez, passando por múltiplas dificuldades de aprendizado, todos os dias. Em pleno 2017, saibam que a maioria das pessoas com algum grau de surdez pode ser reabilitada por meio das novas tecnologias. A audição é o único sentido humano que pode ser restaurado bionicamente.

Se não por solidariedade, é também preciso lembrar que ninguém está livre de adquirir uma deficiência física ou sensorial a qualquer momento. Deficiências não escolhem classe social, cor, raça, credo. A acessibilidade pela qual eu luto hoje pode ajudar você amanhã.

* Paula Pfeifer é autora do blog Crônicas da Surdez, que originou os livros Crônicas da Surdez e Novas Crônicas da Surdez Epifanias do Implante Coclear (Editorial Plexus), e gerente da Sonora Clínica da Audição, no Rio de Janeiro.
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